Em seu artigo Nacional por subtração, escrito em 1986, Roberto Schwarz discorre sobre a dinâmica da cultura nacional. Historicamente, Schwarz percebe que o Brasil e a América Latina em geral carecem de um influxo próprio, importando as tendências culturais conforme o prestígio do país imitado.
Schwarz não aponta a cópia em si como um problema, mas a troca ideológica sem o desgaste da doutrina anterior, que deixa a cultura do país sem métodos ou concepções e não desenvolve uma produção amadurecida.
Essa cópia não passa despercebida, pelo contrário, a percepção disso causa um mal-estar que, segundo o autor, é recorrente nos latino-americanos. Contudo, as críticas a essa tendência são simplistas: acreditam que eliminando aquilo que é alheio ao Brasil, obtém-se a pura essência da cultura nacional, daí o título do artigo ser Nacional por subtração. O governo ditatorial colocava o marxismo como alienígena e considerava que a democracia não poderia ser bem aplicada em nossa sociedade. Já a esquerda, tentava extirpar o imperialismo norte-americano, ignorando a impossibilidade de uma cultura hermeticamente isolada em um mundo cada vez mais interdependente.
Existiu, na década de 20, uma corrente que assumiu beber de fontes culturais não nacionais, mas que fazia isso de forma “regeneradora e irreverente”: era a Antropofagia, iniciada por Oswald de Andrade. Embora ingênua e utópica, Schwarz a considera uma visão legítima e revolucionária da cultura brasileira.
Na década de 80, quando Schwarz escreve Nacional por subtração, ele observa um resgate da Antropofagia. Contudo, após a luta armada pela democracia e o exílio de muitos brasileiros, o conceito de ‘revolucionário’ muda. Agora, defender o jeitinho brasileiro de incorporar a cultura estrangeira será visto pelo autor como uma postura acrítica de lidar com a cultura. Mais tarde, Schwarz observaria outros fatores para essa postura na década de 80. Em Nunca fomos tão engajados (1994), o intelectual aponta a perda do interesse europeu pelas lutas armadas na América Latina. Enquanto a Europa via com ar romântico as lutas de independência no nosso continente, as doutrinas copiadas por aqui alimentariam o pensamento crítico, pelo menos o de esquerda. Com o fim das ditaduras militares (e com o declínio da União Soviética), o discurso perdeu força e interesse. “[...] a baixa internacional do prestígio acadêmico do marxismo, que fez com que muita gente boa trocasse de teoria sem ter dado o combate de idéias, afetou bastante o nosso pensamento crítico”, lamenta Schwarz em entrevista cedida à Fernando Haddad e Maria Rita Kehl em 1995.
Schwarz também aponta o erro histórico das teorias de subtração do externo focarem-se nas relações entre elites nacionais e elites do primeiro mundo. A criação de uma cultura legítima nacional, com ou sem influências externas, dependeria de uma melhor relação entre as elites nacionais e a população pobre do país, que permanece excluída de qualquer produção cultural, importada ou caseira. Não bastaria reformar as classes dominantes, seria preciso reformar o regime democrático.
Durante as décadas de 50, 60 e início de 70, a elite burguesa pareceu trair-se, com seus intelectuais construindo uma cultura popular junto das classes pobres. Porém, o governo militar rompe com essa “mistura perigosa” através da censura e do exílio. Quando esses intelectuais voltam do exílio (a maioria na Europa), eles estão, segundo Schwarz, mais eruditos e mais longe do povo, que manteve sua luta sem interferências da intelectualidade burguesa (um exemplo dessas lutas 100% populares são as greves do ABC).
Nos anos 80, a cultura da elite e a cultura popular parecem estar menos conectadas que antes, aumentando o estranhamento citado por Schwarz. Nacional por subtração mostra que o saldo de vinte anos de ditadura não foi só o abismo social e o rombo na economia, a conta paga pela cultura nacional também foi alta.
Muito bom seu texto. Parabéns.